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Há vários desafios que se colocam a uma empresa familiar, que surge sempre a partir de um primeiro empreendedor, e cujo futuro depende muito da matriz de continuidade que é definida.
A psiquiatra Paula Carvalho defende a importância de se conseguir separar entre a relação pessoal, com todas as suas complexidades familiares, e a relação profissional. “Essa separação só é realmente possível se existir com comunicação efetiva entre os vários elementos. As questões difíceis devem ser colocadas em cima da mesa”, aconselha a especialista.
Mais de metade das empresas portuguesas são familiares
As empresas familiares representam mais de 50% do tecido empresarial português, não só ao nível das pequenas e médias empresas, mas também de algumas das maiores.
São consideradas empresas familiares aquelas onde exista mais do que um membro da mesma família no capital e na gestão da mesma.
Na opinião de Paula Carvalho, esta caraterística pode ser uma grande riqueza e força motriz importante para o sucesso de uma empresa. “Há um grande sentimento de pertença e, espera-se, também um sentimento de confiança forte entre os membros de uma família. As pessoas quando são da mesma família protegem-se, cuidam-se, confiam e conhecem-se umas às outras”, considera.
Só que na prática, também implica dificuldades particulares. Por exemplo, para as gerações mais novas, pode ter um efeito de condicionamento nas decisões profissionais a tomar. “Normalmente, numa família, queremos ter filhos que sejam autónomos, porque também nós o quisemos ser em relação aos nossos pais, mas quando existe uma empresa familiar há que conciliar isso com o de manter uma relação profissional muito próxima”, explica. Até porque, uma família está sempre a crescer e a necessitar de se reajustar.
Para a psiquiatra é como se se estivesse num campo magnético em que há polos que se atraem e outros que se repelem. “É preciso encontrar um equilíbrio de forças e a distância certa entre todos”, porque “cada um tem de ter o seu espaço individual para ser criativo”, ao mesmo tempo que a família tem de continuar a funcionar como um suporte.
Outro dos perigos é de se iniciar uma competição destrutiva entre os elementos familiares.
Na sua atividade profissional, a psiquiatra já se deparou com casos de pessoas que trabalham nas empresas das suas famílias e que são muito infelizes porque fazem-no por sentirem que era isso que se esperava delas. Situações como essas prejudicam não só as pessoas, mas também as próprias empresas. “Isso inevitavelmente vai levar ao fim de uma empresa, mesmo que isso não aconteça nesta geração”, considera.
Saber aceitar opiniões diferentes
Outro problema pode ser a pouca predisposição para as pessoas serem assertivas nas suas críticas. “Não sei se é algo tipicamente português, mas no geral acontece, sermos muito bons a dizer mal e criticar, mas não o sabemos fazer no sítio certo. Mais depressa andamos a dizer mal, do que vamos escrever uma queixa num livro de reclamações”, refere.
Se é essencial saber colocar as críticas, também o é saber aceitar o retorno. “Não corre bem se se funcionar como aquelas pessoas que dizem ser muito frontais, mas depois não sabem ouvir. Têm a frontalidade para dizer, mas não a têm para ouvir. Ora, uma coisa tem de implicar a outra”.
Quando não há esse retorno, surge algo negativo, que acaba por cair na intriga e na desconfiança.
O que deve ser feito é mesmo fomentar essa troca de opiniões, porque para um gestor não interessa ter ao seu lado alguém que concorde sempre consigo. Paula Carvalho cita Henry Ford, um dos primeiros grandes empreendedores da era moderna: “se numa equipa duas pessoas têm sempre a mesma opinião, uma delas está a mais”.
Mas se isso é difícil de conseguir em qualquer empresa, numa empresa familiar torna-se ainda mais complicado de gerir.
As relações humanas são uma das questões mais complexas de gerir. “Ninguém consegue entrar e sair de uma empresa, no dia-a-dia, sem se envolver, e se não se envolver é um péssimo funcionário”, diz Paula Carvalho.
Cada um com o seu papel
Um empreendedor é diferente, porque pensou em algo que os outros não pensaram, e tem de ter vontade de arriscar, mas também deve saber reconhecer nos outros a capacidade de pensarem de forma diferente e de poderem contribuir para a sua empresa.
Só que também é errado sobrevalorizar-se o papel solitário de um líder. Pensa-se sempre no “herói solitário” que resolve tudo. Do imaginário coletivo português, por exemplo, há o caso de D. Sebastião e a idealização dum salvador.
“Não podemos delegar tudo numa só pessoa e deixar que o resto seja uma massa acrítica. Isso é o fascismo: quando alienamos a nossa capacidade de pensar e deixamos que um líder pense por nós”, salienta Paula Carvalho.
É essencial ter-se em conta, no funcionamento de uma organização, o papel de cada um e a sua importância.
“Falamos sempre nos líderes e nos empreendedores, dos quais precisamos muito, mas não somos todos assim e ainda bem, porque senão só existiam pessoas com ideias e não havia ninguém para estar a produzir e a dar esteio”, explica Paula Carvalho.
“É nefasto quando se foca só a liderança e consideram-se os outros como apenas fazendo parto de rebanho. Isso é de uma enorme injustiça porque um bom empreendedor tem de ter uma equipa que o apoie e em que ele confie, mas que também seja crítica e o questione, sem ter medo dele”.
Um líder e a sua equipa são sempre uma unidade, porque uma coisa sem a outra não consegue funcionar. Saber escolher uma equipa é essencial “e as melhores pessoas não são aquelas que concordam sempre com um líder”.
O grupo tem de funcionar de uma forma saudável e com comunicação entre si, “senão, mais tarde ou mais cedo, vai entrar em disfunção”.
A estrutura de recursos humanos e de comunicação tem de ser pensada como uma casa, incluindo inevitavelmente uma rede de drenagem, por se onde se escoam as “águas residuais”. A criação desses canais de comunicação deve ser estimulada pelo líder.
A partir dessa comunicação surgem momentos de comunhão de interesses que podem originar uma grande força motriz. “Recordemos momentos de mobilização de um grande grupo, como, por exemplo, a campanha por Timor. Quando as pessoas se sentem tocadas e se mobilizam, isso tem uma força que é incrível”, refere Paula Carvalho.
Se uma empresa conseguir envolver desta forma as pessoas – para construir algo que as transcende, mas do qual também vão beneficiar – os resultados serão muito positivos.
O empreendedor avança, arrisca e constrói algo a partir de uma ideia
No entanto, para a especialista não há dúvida de que empresários que constroem grandes empresas a partir do nada são admiráveis. Como é o “caso estudo” do fundador do Grupo Auto Júlio.
Um bom empreendedor é aquele que tem a capacidade de construir algo a partir de uma ideia e, depois, de manter a sua empresa. É essencial ter uma visão estratégica que antecipe os problemas e criar uma estrutura que suporte o crescimento da empresa.
Até porque, de cada vez que uma empresa cresce ou muda algo, surgem novas questões e, eventualmente, problemas. Um bom líder deve ter abertura para poder antecipar novos problemas e prever/ criar soluções.
Para a psiquiatra, com formação técnica e experiência em dinâmicas de grupo, o empreendedorismo é muito importante, mas não é a panaceia universal. “Nem toda a gente tem a capacidade de ser um empreendedor e não é mau profissional por não ter”, sublinha. Na sua opinião, da mesma forma que há concursos de empreendedorismo, deveriam existir outros em relação a trabalho de equipa, por exemplo. “Há quem prefira fazer o seu trabalho sem holofotes, sente-se realizado assim e faz um trabalho notável”.
O empreendedor é aquele que tem a capacidade de avançar e de construir algo diferente. Que sabe arriscar, mas também que sabe reconhecer o valor dos outros e consegue envolver outros saberes, para poder crescer de uma forma consistente.
Um dos erros mais comuns na gestão, são as normas muito rígidas. Matam a criatividade que existe em cada um de nós, não existindo liberdade para conseguir que novas ideias tragam melhores resultados.
EM CAIXA
PERFIL DO EMPREENDEDOR
O empreendedor tem de ser uma pessoa que confie nas suas qualidades pessoais. Que acredite em si próprio, com capacidade de trabalho e criatividade acima da média.
Um empreendedor tem que ser uma pessoa persistente, com capacidade de resistir mesmo nos momentos mais difíceis e de criar laços estreitos com colaboradores, fornecedores e clientes.
Com estas ferramentas, o empreendedor realiza-se pessoalmente e cria riqueza, nomeadamente através de postos de trabalho e impostos pagos, contribuindo para o desenvolvimento da economia e do país.